sexta-feira, 24 de setembro de 2010

ELEIÇÕES - A Belém que não deveria existir

LÚCIA*

Geograficamente Belém é uma cidade plana. Deve ser por isso que alguns espaços podem parecer invisíveis. Quase fantasmagóricos. Assustadores. São espaços que precisam ter sua existência negada como na primeira fase que se vive ao recebermos a noticia de uma grave doença. Como se fosse muito feio tocar no assunto. Incômodos esses lugares. Não emergem para as vistas de todos, e isso è um alivio. Embora um falso. Muitos chegam a dizer: “ainda bem que aqui não tem morros!”. Fica mais fácil enganar-se e enganar quem aqui chega. Um provérbio antigo e batido parece combinar muito bem com essa abstração: o que os olhos não vêem o coração não sente. Fica, portanto, mais fácil de suportar essa incômoda certeza de que algo muito grave está em nosso entorno.

Para comprovar essa “teoria”, convido a todos, mais especialmente aos candidatos da próxima eleição, a irem dar um “passeio” pela cidade. Não, não é a cidade fantasia, essa que surge como paraísos nas imagens de fundo dos programas de partido político. Tá frio. Munem-se de coragem e conheçam a verdadeira Belém. Insisto, ainda não é aquela cidade que surge durante o horário político, quando, em voltas olímpicas, o candidato vai andando confiante onde ele acha que nós acreditamos ser a periferia e aí, pega criança ao colo, e sorri para a dona de casa e para o moço dono da vendinha engradada. Ainda tá frio.

Darei algumas pistas, embora eu tenha certeza que todos suspeitem da existência de tais lugares que nos surpreendem em cada vez que, em plena avenida, nos deparamos com cenas grotescas ou somos protagonistas destas.

Tente sozinho procurar uma rua que não é rua e fica no bairro Guamá. Ou será Terra Firme? Ou Pratinha? Não importa. A rua existe, mas na verdade, não existe. Entendeu? Vou tentar novamente: a rua está lá, quieta em algum lugar do bairro. Pergunte aos seus habitantes. Uns ouviram falar da tal rua. Outros, indecisos acham que fica mais um pouco à frente, mas perguntam: “Como assim? não seria outro nome?”. Porque os nomes são fantasiosos. Não estão registrados em qualquer catálogo dos Correios. Insista e alguém, solícito, mostrará a tal “rua”. Como se essa de fato fosse uma. Nomes belos, de santos, de adjetivos com sinais de prosperidade. Rua das margaridas! Onde nenhuma plantinha tem condições de brotar. Rua da alegria! Onde é fácil perceber a inércia. Rua Menino Jesus! Onde parece que Deus mesmo não tenha estado ali. Na verdade, são becos obscuros, estreitos, sujos, sem qualquer característica de urbanização como deveria ser um lugar de gente morar. O perigo parece rondar a cada passo adentro. Alguém, solidário avisa: “cuidado!” como se ela mesma não fosse uma moradora. Mas sei que são pessoas que nem deveriam estar lá. Porque lá, não é lugar para nenhum ser humano viver. Crianças magrinhas e descalças surgem em nosso trajeto. Curiosas, seguem-nos por alguns passos e depois somem como fadinhas e duendes dos filmes da Disney. Mulheres e homens ao pé da casa (porque não existem calçadas) ficam observando e rapidamente uma rede de informações é formada. Ao se chegar numa esquina, todos já sabem que alguém procura por um endereço. Esta é uma rede comunitária, a única, que protege os moradores e, dependendo do nosso objetivo, nos protegerá também. É assim que se movimenta esse lugar. É assim que se sobrevive.

Pior que ver esse lugar, é morar nele. Pior ainda é perceber que muitos que vivem desse modo, não se questionam mais porque moram assim. Contraditório é experimentar a sensação de entrar nesse lugar sem nome, e ao sair para o asfalto e ver o primeiro sinal de trânsito, sentir-se saindo de um afogamento.Conseguir chegar à tona e recuperar o fôlego. Para os mais criativos, pode ser que se tenha a impressão de ter visitado um mundo paralelo. Mera ilusão. Este lugar é visto em cada esquina de Belém. É só apurar a vista.

Este cenário incômodo faz parte cotidianamente da nossa vida, mas não queremos ver. È mesmo feio. São lugares de Belém que não têm caracterização. Não são apenas aglomerações de pessoas, não são sequer depósitos de gente. É pior. É Muito pior! São lugares engolidos pelas falsas promessas, cobertos de lama da incoerência e insensibilidade. Carcomidos por um tipo de cupim que não tem seu predador por perto. Esta é a verdadeira Belém. Mais da metade dela. Uma cidade que não existe, porque não é uma cidade. Cidade advêm de cidadania, civilidade, Polis. Tantas palavras bonitas para identificar um lugar onde convivem pessoas. Mas que nome dar a um lugar onde as pessoas só vivem, e nada mais? Coragem, caros candidatos e demais convidados a conhecerem ou, melhor para reconhecerem esses lugares, é preciso ultrapassar todas as barreiras. Principalmente a da hipocrisia. Do latim hypocrisis e do grego hupokrisis. Bon voyag!

* Lúcia é colaboradora anônima do blog.

Um comentário :

Anônimo disse...

O nome é Laura ou Lúcia, ou Laura Lúcia?