quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

NATAL – O sonho do poeta

Organiza o Natal*

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

        Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.
        Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.
        Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.
        A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.
        A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
        Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.
        O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
        Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
        A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.
        O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
        E será Natal para sempre.


* Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 52.

Um comentário :

Anônimo disse...

Barata. Primeiramente desejo ao Senhor e a sua família um Feliz Ano Novo e muita saúde.
Mas, gostaria que o Senhor se penitenciasse de ter publicado postagens que denegriram a imagem de Mário Ribeiro.
O Dr. Mário é o melhor economista e mais corajoso que o Pará tem, no entanto postagens maldosas, falsas foram feitas no seu blog e o Senhor postou.
Quem tem coragem de escrever artigos no Liberal falando mal da Dilma? Esclarecendo sobre a péssima politica econômica do seu governo?
Mário Ribeiro foi defenestrado da Fapespa e do governo do Jatene sem qualquer explicação.
O sR. Jatene deve ter lido e ouvido fofocas de pessoas invejosas, más, incompetentes.
Quem perde é o Pará. Como amigo e admirador pessoal de Ribeiro me sinto na obrigação de tentar publicar isto aqui.
Não sei se o Senhor vai fazê-lo, mas devia, porque publicou sem pesquisar inverdades maliciosas.
Eu sinceramente desejo ao Senhor a sua equipe um Feliz Ano Novo.