quinta-feira, 26 de março de 2015

TEATRO – O mergulho produtivo no subsolo

Cacá Carvalho e o desafio de "mergulhar produtivamente no subsolo".

Recebido pela crítica especializada com fartos elogios, a estréia do monólogo 2+2= 5 - O Homem do Subsolo, justificou uma entrevista de Dirceu Alves Júnior, que mantém o BLOG DO DIRCEU Na Plateia, com Cacá Carvalho, que desfila seu mapa de crenças como cidadão do mundo e homem de teatro, cuja bússola é a inquietação diante de um status quo pontuado por iniquidades. "Nesse mundo 2+2=4, existe uma necessidade outra,  de andar contra isso. Vivemos neste sistema e não somos os proprietários, obedecemos. Tudo funciona e não nos realiza. Então 2+2=5 pode ser uma outra possibilidade, diferente, em que o individuo tenha a liberdade de se afirmar com todas as suas vontades pessoais de fato, que, muitas vezes, não se adequam dentro do sistema estabelecido. São tantos os sistemas, tudo pensado para funcionar, estruturado, para dar certo. Queremos escapar e afirmar uma outra coisa. Então, 2+2=5 e isso é importante”, salienta Cacá na entrevista. "O homem do subsolo é um sujeito que está no subsolo, vivendo essa realidade, gritando, clamando, rindo, ali contra o mundo está em cima dele, do qual ele foge. Mas na esperança de que estando lá embaixo, ele possa sair de lá melhor. Eu acho que é esse sempre o grande propósito de mergulhar produtivamente no subsolo”, acrescenta.
A entrevista, abaixo transcrita, também pode ser acessada pelo seguinte link:


Cacá Carvalho e suas reflexões do subsolo: “o protagonista é aquele que tenta se afirmar e não se afirmar como povo”

O Macunaíma de Antunes Filho, o Jamanta das duas novelas de Silvio de Abreu ou o Sganarelo, criado do Don Juan vivido por Edson Celulari. O ator paraense Cacá Carvalho, de 61 anos, é um artista diferente, quase estranho. Ele está em cartaz no Sesc Santo Amarocom o monólogo dramático “2 x 2 = 5 O Homem do Subsolo”, escrito por Stefano Geracci com base na novela “Memórias do Subsolo”, de Fiódor Dostoiévski. Surpreendente, lúcido e pontual, Cacá Carvalho deu um instigante depoimento para o blog. As perguntas foram lançadas, serviram de base. Talvez elas tenham perdido um pouco o sentimento. Importante mesmo são as respostas do artista.

Um momento de desencanto 

“O homem do subsolo espelha a nossa realidade de hoje, mas também a realidade do homem desde sempre. Você afirma que vivemos um momento de desencanto no Brasil. Sim, mas, no geral, o homem enfrenta sempre um momento de desencanto, na expectativa de um breve encantamento. O homem do subsolo é um sujeito que está no subsolo, vivendo essa realidade, gritando, clamando, rindo, ali contra o mundo está em cima dele, do qual ele foge. Mas na esperança de que estando lá embaixo, ele possa sair de lá melhor. Eu acho que é esse sempre o grande propósito de mergulhar produtivamente no subsolo.”

2 X 2 = 4?

“Vivemos em um mundo em que o indivíduo é o protagonista do espetáculo do viver. Não é mais o coletivo, o povo. O povo não é o protagonista. O protagonista é aquele que tenta se afirmar e não se afirmar como povo. Não se pensa o coletivo, porque talvez ele não esteja de acordo com o sistema criado, 2 x 2=4, tudo tem que funcionar corretamente. 2 x 2=4, tudo é pensado, calculado para dar certo. 2 x 2=4, este mundo em que o bem-estar, a felicidade e a paz são os nossos propósitos, esse mundo que nós vivemos da autoajuda, esse mundo do tapinha nas costas, do aparente compartilhar coletivo, através de mensagens, uma realidade inexistente, criada. Nesse mundo 2 x 2=4, existe uma necessidade outra, de andar contra isso. Vivemos neste sistema e não somos os proprietários, obedecemos. Tudo funciona e não nos realiza. Então 2 x 2=5 pode ser uma outra possibilidade, diferente, em que o individuo tenha a liberdade de se afirmar com todas as suas vontades pessoais de fato, que, muitas vezes, não se adequam dentro do sistema estabelecido. São tantos os sistemas, tudo pensado para funcionar, estruturado, para dar certo. Queremos escapar e afirmar uma outra coisa. Então, 2×2=5 e isso é importante.”

Combustível do teatro

“Não sei se a literatura romanceada é a melhor forma de abastecer o teatro. É uma das fontes possíveis. O teatro pode vir de tantas fontes, uma delas é a literatura. Um pôr do sol também pode ser uma fonte para o ator, para gerar o fato teatral.  Eu sinto que existe uma grande dificuldade e é clara: fazer a transposição da literatura, tanto em forma de romance, conto ou peça para o teatro. É uma outra coisa, o teatro é uma relação em que a literatura teatral, o romance, o conto ou uma fotografia foram motores para o fim. A coisa acontece entre o espectador e aquele que está se fazendo ver. Nesse sentido, qualquer fonte é válida, conhecida ou não, desde que funcione ali, diante do público.”


Trabalho em equipe

“Estamos juntos há tanto tempo. Somos eu, Stefano Geraci, Roberto Bacci, Márcio Medina, Fabio Retti, Ares Tavolazzi e mais equipe de produção no Brasil e outra em Pontedera, na Itália. Esse núcleo já fez muitos trabalhos, então, como é manter?  Nós nos mantemos juntos, estando separados, mas conectados. Sempre com uma vontade de se encontrar. E o que a gente faz? Quando nós nos reunimos, vem essa pergunta: o que a gente está precisando criar agora? Para quem? Quem será o outro parceiro? No caso, um tema, um livro, uma imagem que alguém viu ou um filme dá a largada. Logo, aparecem ou não caminhos que não sei exatamente como, depende da situação. E assim vai aparecendo. Livros, filmes já vistos, sonhos sonhados. Agora, eu insisto com um texto brasileiro, mas talvez para daqui uns dois ou três anos. Não sei se é mais fácil. Acho que não, tudo é difícil, qualquer grupo de pessoas trabalhando, pesquisando é árduo, mas tem que ser prazeroso.”

Só na multidão

“É uma vontade de trabalhar com o grupo e, paradoxalmente, estou sozinho em cena, mas tem muita gente junto ali comigo, direta ou indiretamente. Essa minha vontade vem de muito tempo, sou uma pessoa que trabalha em conjunto, desde Belém, de onde vim, depois com o Antunes Filho, que é fundamental na minha vida, no meu hoje, no meu ontem. Todo mundo que encontro, grupos como o Galpão, por exemplo, atores da Casa Laboratório para as Artes do Teatro, todos com os quais já trabalhei, que são companhias formadas para seguirem contaminando outros e continuar uma contaminação de pensamento e de fazer teatral. Essa vontade de saber a ideia do outro, de saber o que está por trás dessa aparência, do aparente conhecimento dos outros, gosto muito disso. Eu preciso do outro, sempre.”

Por uma criatividade mais tranqüila

“Eu sozinho? Não ando só. Tenho uma vontade danada de botar mais gente em cena comigo. Sinto muita falta, mas não tenho estrutura para tal. É difícil viabilizar, conseguir apoios, patrocínios, com as leis, esses mecanismos que existem hoje. Essas verbas conseguidas através de apoios são pensadas para que encontremos momentos de calma às vezes. Para uma criatividade tranquila, sabe? Eu não consigo, não tenho muito essa sorte. E não sei dizer a razão, o porquê e não quero entrar numa lástima, mas é um fato e vamos em frente. Às vezes, eu até consigo, porém pouco. Temos ainda bem, vários grupos e companheiros de teatro numa luta incessante para manter os espaços e grupos de resistência numa cidade como São Paulo. Há de melhorar! Somos vários tentando se afirmar como resistência cada vez mais. Esse lado me dá força porque eu tenho que fazer do meu trabalho um cavalo de batalha, levá-lo por lugares que ainda não fui ou refazê-los em lugares já passados, pois o público se renova, o tempo passa e as pessoas crescem. Preciso retrabalhar o trabalho, fazer com que ele cresça comigo e eu cresça com ele.”

Uma experiência rara

“Nesses tempos, não basta afirmar que uma pessoa faz teatro. É preciso perguntar qual tipo de teatro. Teatro é  plural. Existe o comercial, o experimental, o aparente comercial e o aparente experimental. Temos o infantil bom e o infantil ruim, assim como o adulto bom e o adulto ruim. Qualquer trabalho tem dificuldade para atingir uma plateia e se manter em cartaz. Qualquer produto que se apresenta a um público precisa, antes de mais nada, ter qualidade e relação com o espectador. Para que a plateia atingida, crie aquele fenômeno antigo, o boca a boca. Sempre foi assim. É difícil levar alguém ao teatro, hoje são tantas as ofertas de programas. Por isso, talvez o oxigênio seja essa necessidade que considero fundamental, de contaminar de beleza quem está ali, sentado na minha frente. Quero descortinar um outro horizonte diante do espectador e fazê-lo viver uma experiência rara.”

O trabalho dentro e fora do Brasil

“A minha experiência colaborativa com a italiana Fondazione Pontedera dura 27 anos. Tenho uma regularidade de apresentações para cumprir e me faz muito bem fazê-las, mas a minha base é São Paulo, na Casa Laboratório para as Artes do Teatro, que fica na Barra Funda. Um território que precisa, como tantos em São Paulo, se afirmar e ser garantido. Por ano, uma ou duas vezes, preciso fazer essas temporada na Itália e em outros lugares. Os meus espetáculos todos são produzidos por Pontedera e o Teatro della Toscana. O “2×2=5 – O Homem do Subsolo” é o primeiro produzido por essa nova sociedade em que a Fondazione Pontedera juntou-se ao tradicional Teatro La Pergola de Firenze e tornaram-se, esse novo projeto, que é o primeiro Teatro Nacional Italiano na região Toscana, batizado de Teatro della Toscana. Para mim, isso tem um peso e um reconhecimento muito grande. Preciso cumprir uma série de temporadas que Roberto Bacci, meu diretor e mestre, agenda. Num primeiro momento, eu vou ao Festival de Almada, em Portugal, e, no final do ano, temos um temporada de inverno, iniciando em Florença, no Teatro Goldoni e, depois uma série de cidades da região da Toscana. Até lá, eu quero circular bastante pelo Brasil, fazer os meus encontros com jovens artistas, encontrar gente em várias cidades.”

A televisão 

“Televisão, caso algum raro convite apareça, evidentemente alteraria meus projetos. É um ingrediente novo na rotina e é estimulante. Eu gosto muito de fazer, dá um frio na barriga diferente, porque a minha ignorância com a linguagem de interpretação na televisão é tamanha que eu preciso muito mais de parceiros para me explicar para qual lado eu devo ir. Não é fácil criar uma coisa ali. Não fossem todas as ajudas que sempre tive, tudo seria muito, muito mais difícil. O texto do Silvio de Abreu e a direção de Denise Saraceni me ajudaram muito, muito. O meu encontro com o Luiz Fernando Carvalho no trabalho que fizemos sobre Ariano Suassuna foi ótimo. Poderia citar uma equipe de parceiros malucos.”

Jamanta, com muito prazer 

“A televisão tem uma repercussão macro. Hoje, me dá muito prazer, depois de tantos anos, quando eu estou esquecido de mim mesmo, perceber uma pessoa me olhando, abrindo um sorriso diferente e falando: 'ah… é você!'. Ah, aquele 'você' vem com uma saudade de si mesmo, sabe? Vem como se a pessoa ao dizer aquilo, ao sorrir daquele modo, esteja vendo a si mesmo anos atrás e isso me dá um prazer muito grande, porque é como se o nosso trabalho, da equipe toda que produziu aquelas cenas, não acabasse ou morresse. Está vivo dentro da memória daquela pessoa. Eu não sei se televisão 'combina' com as minhas ambições. Na verdade, eu não tenho ambição profissional. Nesse sentido, eu sou muito amador. Tenho ambições amadoras, de quem ama. Nem sei se trato meu trabalho tão profissionalmente. Se eu trato, preciso me corrigir. A minha profissão e a de todos artistas é amadora, no melhor sentido da palavra ‘amadora’.”

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