domingo, 22 de novembro de 2015

OUTROS 400 - “Não é uma ideia nova, é apenas a função da imprensa, que queremos empunhar”

Foto P&B de Kleiton Silva: dentro do padrão de ousadia do blog.

Apesar da ousadia própria da juventude, a equipe do portal Outros 400 não sucumbe a tentação do êxtase improdutivo da vaidade, irmã siamesa do cabotinismo. “Não é uma ideia nova, é apenas a função da imprensa, mas que queremos empunhar”, observam. “É observando os vícios da imprensa atual que buscamos a construção de nossa linha editorial, que não é um processo acabado, mas que se faz todo o dia”, destacam os profissionais envolvidos no projeto, declarando-se equidistantes da disputa, comercial e política, travada entre os dois grandes grupos de comunicação do Pará, das famílias Maiorana e Barbalho. “Queremos ficar distantes das disputas familiares e de interesses econômicos dos dois grupos hegemônicos da comunicação em Belém”, enfatizam. Mais que isso, a preocupação é ousar, sempre na perspectiva de explorar as possibilidades de alcançar o exercício do bom jornalismo. “Queremos, ainda, experimentar na linguagem, no texto e na foto. É notório o cansaço do texto jornalístico, chato, padronizado, monótono. Queremos experimentar elementos da crônica, elementos do artigo, buscar o interesse do leitor. Que nosso estilo seja também um ponto a se diferenciar. Na fotografia, veiculamos uma reportagem toda com fotos em preto e branco. Qual jornal faz isso? Parece simples, mas não se faz. Queremos explorar as possibilidades da forma para um bom jornalismo”, resume o grupo de jovens profissionais que fazem o portal Outros 400, na entrevista abaixo, concedida ao Blog do Barata.

Como surgiu a ideia do portal e como vocês conseguiram viabilizá-la, diante dos custos e da disponibilidade que implementá-la previsivelmente exige?

Partimos de três eixos: condições de trabalho do profissional da comunicação, espaço no mercado e demanda social. Os atuais veículos de comunicação simplesmente sugam o profissional com altas cargas de trabalho, baixa remuneração e pouquíssima participação na linha editorial. Queremos reverter esse quadro.
Vimos, também, que há um público cada vez mais crescente que não se interessa pelos antigos formatos dos jornalões e mesmo de seus sites. Um público mais exigente com relação às demandas sociais que ganham mais destaque, como a questão da mulher e do negro na sociedade. Ou seja, há um espaço no mercado. E, por fim, queríamos reavivar a função do comunicador como um profissional que tem muito a contribuir à sociedade, nos variados campos.
Os custos se mostraram como maior desafio. Se os empreendedores não se mostram muito voltados para a criação de novos formatos de comunicação, foi imprescindível que os próprios jornalistas e publicitários se apropriassem dessas ferramentas, como planejamento e gestão. Então, nos voltamos para a compreensão de tais ferramentas, trabalhando sempre com dois eixos: baixo custo e criatividade.

Qual a proposta basilar do Outros 400 e quais as perspectivas que vocês vislumbram para ele, em uma Belém na qual o novo e o velho convivem conflitivamente e o status quo costuma reagir com inocultável reserva a tudo que foge aos padrões estabelecidos?

Começamos a refletir a partir da compreensão de que a História é uma construção social. E que, em momentos marcantes, como o aniversário de 400 anos de Belém, acontecem grandes apropriações políticas dos fatos passados. Nesse sentido, partimos à reflexão dessa história. A Cabanagem, por exemplo, foi objeto de disputa de vários governos, desde o século XIX até a ressignificação dada pela gestão Jader Barbalho e, depois, Edmilson Rodrigues. Entendemos que temos uma função política que perpassa pela rediscussão do passado. Por que Francisco Caldeira Castelo Branco, o colonizador e genocida, é nome de comenda, e Guaimiaba, o indígena resistente, não?
Nossa proposta é um contraponto à narrativa oficial. Achamos que o debate no espaço público está minguado, com poucas vozes destoantes. É por isso que governos impõem suas decisões sem debate, participação, sem atender aos interesses da população. Isto está claro em Belém: o trânsito e o transporte público são uma afronta diária, nosso hospital de urgência e emergência pegou fogo! O Festival de Ópera é de um elitismo tamanho, realizado por uma elite que ainda acredita estar na Belle Époque, louvando aquele tempo, sem ponderar a exclusão social que o ciclo da borracha representou. Não que a ópera não seja uma manifestação relevante, mas se torna um problema quando o investimento público não se estende a outras manifestações culturais. O que há para o carimbó, por exemplo? É nesse sentido que vamos buscar o contraditório, o debate amplo de ideias, contraposição de argumentos. Ou seja, não é uma ideia nova, é apenas a função da imprensa, mas que queremos empunhar novamente.

Qual o tipo de jornalismo que vocês pretendem implementar e no que ele se diferencia daquele que é praticado pela mídia tradicional?

Juntando ao que dissemos acima, pretendemos vários pontos. Com relação à linha editorial, queremos criar uma narrativa realmente relevante, sem se curvar de maneira imoral ao interesse do público. O caso Joelma e Chimbinha, por exemplo, notoriamente uma questão de foro íntimo, virou manchete, local em nacionalmente. Esse tipo de objeto não é matéria do nosso portal, a não ser que seja para problematizar esse tipo de postura jornalística “caça cliques”, sem se importar com a relevância real dessa informação para a sociedade, além de expor a vida íntima de um casal. Não podemos ir a uma coletiva de imprensa do Estado apenas para reproduzir o que lá fora dito, mas sim contestar efetivamente os informes estatais. Queremos ficar distantes das disputas familiares e de interesses econômicos dos dois grupos hegemônicos da comunicação em Belém. Nada de fotos de suspeitos de crimes, nada de exposição de pessoas desnecessariamente. Essas pessoas têm vidas, identidades, e não podem ser apenas expostas apenas para a obtenção de leitores e cliques. É observando os vícios da imprensa atual que buscamos a construção de nossa linha editorial, que não é um processo acabado, mas que se faz todo o dia.
Queremos, ainda, experimentar na linguagem, no texto e na foto. É notório o cansaço do texto jornalístico, chato, padronizado, monótono. Queremos experimentar elementos da crônica, elementos do artigo, buscar o interesse do leitor. Que nosso estilo seja também um ponto a se diferenciar. Na fotografia, veiculamos uma reportagem toda com fotos em preto e branco. Qual jornal faz isso? Parece simples, mas não se faz. Queremos explorar as possibilidades da forma para um bom jornalismo.

Na página do portal no Facebook está escrito que vocês abdicam da preocupação da pretensa parcialidade. Isto significa que vocês partem da premissa que o mais relevante é a independência e o respeito aos fatos, na perspectiva de que as interpretações são livres, mas os fatos são sagrados?

Entendemos a parcialidade como mito. E basta olhar com clareza. A história da imprensa mostra isso, desde Patroni até a fundação do Diário do Pará. Nove pessoas morreram numa chacina no ano passado em Belém. A diferença é que a imprensa deixou o governo do Estado construir uma narrativa de que o problema foi o compartilhamento indiscriminado de informações nas redes sociais. E não o problema óbvio: nove mortes sem explicação real. Pessoas sem envolvimento com crimes, e, mesmo que tivessem, nunca poderiam ser executadas. Fatos são o sólido e a interpretação é que deveria variar. Mas mesmo fatos, hoje, são destoados, distorcidos pelos veículos de comunicação. Além de uma nova interpretação, partimos de uma interpretação dos fatos voltados para o interesse real da população. Há o emergir de novos movimentos em Belém, desde a comunicação às artes. E acreditamos fazer parte desse movimento no campo da imprensa.

Buscamos uma gestão horizontal, em que todos possam opinar sobre nossa pauta e nossas formas de comunicar, prática que não se vê atualmente nas redações. Dentre os jornalistas, revezamos as funções de produtor, repórter e editor, buscando dar participação em todas as fases da produção da notícia, sem que isso se transforme em sobrecarga de trabalho. No campo do marketing, não só os publicitários conduzem, mas também os jornalistas. Jornalistas e publicitários trabalham em conjunto, compartilhando experiências e técnicas, para a construção de uma imprensa democrática, sem a hierarquia do patrão e empregado, que já se demonstrou insuficiente para um jornalismo sólido. 

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